sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Recordar é sofrer



Ainda estou para saber quem foi a imoderada alma que disse que “recordar é viver”. Tal génio não deve, de certo, ter vivido algo realmente bom de recordar, caso contrário teria mudado a sentença que nos deu a conhecer.
Recordar é sofrer. É doer cada aresta de alma por um passado que ainda não passou. É um sofrimento doce. É um desconsolo emoldurado. É uma perdição que nos percorre o corpo e nos assoberba as veias de demência. É padecer por aquilo que já não podemos viver mais. É, por fim, enxugar as lágrimas da saudade, numa impotência humana incorruptível.
Não é, no entanto, motivo para ficarmos sentados a ver esta vidinha ultrapassar-nos enquanto estamos presos na mágoa do que não volta. Não. Havemos sempre de seguir com a vida, mesmo sem darmos por isso: a vivê-la ou a fazer de conta, seguir em frente ou ficar para trás, mas iremos sempre a par dela. Prova disso são as rugas que nascem todos os dias e adornam os nossos olhos, ou um novo cabelo branco, ou seja lá o que for.
A vida continua. E a dor também.
A verdade é que quanto mais recordarmos, menos vivemos, e mais ficamos parados a pensar nos anos transactos. Por mais estúpido que seja, é precisamente isto que torna a nossa existência algo com sentido: o não podermos voltar a trás, o sermos obrigados a seguir em frente, e, obviamente, a saudade, para nos lembrar que não somos um só corpo proeminente que está a viver um dia singular, mas um ser que com precedentes e com uma história de vida.
Como alguém disse – “tudo é mais maravilhoso porque estamos condenados, porque cada momento pode ser o nosso último, e nunca mais voltaremos a estar aqui”.